Quinze dias - Vitor Martins
- Vitor Martins
- 235 Páginas
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Sinopse
Felipe está esperando por esse momento desde que as aulas começaram: o início das férias de julho. Finalmente ele vai poder passar alguns dias longe da escola e dos colegas que o maltratam. Os planos envolvem se afundar nos episódios atrasados de suas séries favoritas, colocar a leitura em dia e aprender com tutoriais no YouTube coisas novas que ele nunca vai colocar em prática. Mas as coisas fogem um pouco do controle quando a mãe de Felipe informa que concordou em hospedar Caio, o vizinho do 57, por longos quinze dias, enquanto os pais dele estão viajando. Felipe entra em desespero porque a) Caio foi sua primeira paixãozinha na infância (e existe uma grande possibilidade dessa paixão não ter passado até hoje) e b) Felipe coleciona uma lista infinita de inseguranças e não tem a menor ideia de como interagir com o vizinho. Os dias que prometiam paz, tranquilidade e maratonas épicas de Netflix acabam trazendo um turbilhão de sentimentos, que obrigarão Felipe a mergulhar em todas as questões mal resolvidas que ele tem consigo mesmo.
Resenha
Coisas incríveis podem acontecer se você começar a falar.
“Quinze Dias” foi a estreia do escritor brasileiro Vitor Martins, conhecido também por ter escrito “Um Milhão de Finais Felizes”, o qual foi meu primeiro contato com o autor.
Assim como em “Um milhão de finais felizes”, eu pude encontrar em “Quinze Dias” uma escrita fluida, delicada e uma história muito bem contada.
Na trama iremos conhecer o Felipe, um garoto de 17 anos, gordo e gay assumido e, o Caio, um garoto de 17 anos, magro e gay não assumido. Felipe e Caio desde crianças sempre viveram juntos, até que ao chegarem na adolescência, a amizade entre os dois foi enfraquecida.
Só que tudo está prestes a mudar, quando as férias do meio do ano de Felipe iniciam e ele recebe a surpresa de que seu vizinho do 57, o Caio, irá passar 15 dias na sua casa. Quinze dias com o garoto qual o Felipe gosta.
Quais são as possibilidades que esses quinze dias podem oferecer aos dois?
É isso que vamos descobrir ao longo de 15 capítulos, onde cada capítulo representa um dia que o Caio passa na casa de Felipe.
Vitor decidiu abordar aqui questões sociais que vai além da representatividade LGBT, aliás a Gordofobia é o tema que mais aparece na trama, tendo em vista que nosso protagonista já se identifica como homossexual, no entanto, enfrenta um dilema interno para com aceitação do seu corpo.
Vitor nos apresenta às angústias e a insegurança do Felipe frente a uma sociedade que padronizou corpos, em que o dele foge da regra. As situações de bullyng, gordofobia que o Felipe vivencia na sua escola, nos faz questionar o quanto o ambiente escolar pode ser hostil para quem é diferente, e o quanto a escola contribui para a reprodução de discursos homofóbicos, machistas, sexistas, racistas e outros.
Do outro lado, temos o Caio, que apesar de se identificar como gay, ainda não se assumiu para a família abertamente e, tem que enfrentar todo o dia o medo de ser rejeitado, ser visto como anormal. Além disso, existe a escola, ambiente em qual o Caio se sente desconfortável, diante da hostilidade sofrida por seus colegas.
(...) a escola se apresenta como grande agenciadora de práticas que objetivam reduzir o campo da sexualidade ao binômio macho/fêmea (GÓIS; SILVA, 2011, p. 39).
Temos então um contraste entre os personagens, não só pelo porte físico e o fato de um ser assumido e o outro não, mas também pela família de ambos. O Felipe vive com sua mãe apenas, e a relação dos dois é de muita parceria, afeto, onde um se coloca como o confidente do outro, e quando o Felipe decide contar para sua mãe que é gay, a reação dela é o que todos nós esperamos: acolhimento.
Já o Caio, mora com seus pais, e apesar de haver afeto na relação familiar, existe também a superproteção e as expectativas que seus pais jogam em cima dele. Isso faz com que o Caio não se sinta seguro para contar sobre sua sexualidade, nem outros assuntos que ele guarda consigo.
Diante desse núcleo o qual os personagens estão inseridos, se você for um leitor lgbt, vai acabar se vendo em uma das realidades.
E se você não for lgbt, vai criar empatia pelos garotos, e torcer por eles (Espero que sim).
Particularmente eu me vi no Caio, seus dilemas também fizeram parte da minha adolescência, quando eu estava prestes a me assumir para minha família, mas a insegurança e o medo me silenciavam. Até que eu falei.
Mas, além do contraste entre as realidades dos personagens, existe também muitas semelhanças entre eles, que vão sendo reveladas aos poucos. Ambos lidam com a insegurança, baixo estima, e ambos... se gostam.
Vamos acompanhamos cada passo dessa relação deles, de amizade, afeto, carinho, paixão. O autor soube executar bem o desenvolvimento tanto dos personagens quanto da relação entre os dois, apesar do livro ter pouco mais de 200 páginas, teve aprofundamento.
Temos também a Beca, a melhor amiga do Caio, uma garota incrível, que assim como o Felipe é gorda e gay.
A presença dela na história só deixou tudo mais lindo, real e cativante. Diferente do Felipe, a Beca já aceitou seu corpo e se empodera com ele, totalmente desprendida da insegurança.
E à medida que o Felipe vai criando amizade com ela, a Beca passa a motivá-lo a lidar com seus dilemas da melhor forma: autoaceitação e autoconfiança.
“Ninguém vai nos proteger a não ser nós mesmos (...) Mas olha, Felipe, te juro que um dia as coisas melhoram. Um dia você aprende a gostar mais de quem você é, e isso vai refletir em como as outras pessoas vão te enxergar” (p. 121).
Outra personagem que merece ser mencionada aqui é a Olívia, a terapeuta do Felipe que acompanha ele desde que se assumiu gay para sua mãe, e agora vem auxiliando-o no processo de autoaceitação, autoconfiança e a se expressar para as pessoas, falar sobre seus sentimentos.
Percebemos o quanto a presença de um profissional é importante, que muita das vezes é preciso recorrer alguém de fora da nossa família, círculo de amizade, que nos ajude a vê a situação com outro olhar, um olhar sem julgamento, pena, e que pedir ajudar não é vergonhoso.
Pelo contrário, é ser corajoso o suficiente.
É humano.
Por fim (acho que já deu para lhe convencer que o livro é bom né?), “Quinze Dias” é aquele livro que traz conforto, que estabelece diálogo direto com o leitor LGBT, nos faz dar umas boas risadas com as referências pop e os diálogos dos personagens. Um livro com personagens palpáveis, conflitos reais, e representatividade espontânea.