Molloy - Samuel Beckett
- Samuel Beckett
- 261 Páginas
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Sinopse
Um dos melhores romances de Samuel Beckett.'Molloy' divide-se em duas seções. Na primeira, é o próprio Molloy, o 'narrador-narrado', quem fala; na segunda, é Moran, homem encarregado de vigiá-lo. A história que os dois - cada um à sua maneira - tentam registrar, é a das idas e vindas de Molloy, num vai-e-vem que alterna lugares abertos e fechados, a partir do apartamento de sua mãe - e que mimetiza os impasses das frases curtas e da própria linguagem. O livro caracteriza-se pelas ações dramáticas que apresenta, incluindo um caso de amor e um de morte. Mas a verdadeira 'ação', tratando-se de Beckett, está na própria linguagem - ainda que seja a de comunicar a incomunicabilidade moderna.
Resenha
Detonando a linguagem, sem esperar por ninguém
Dizer que é uma leitura prazerosa, fluída, descompromissada, seria o mesmo que não reconhecer a genialidade de Beckett, do Beckett dramaturgo, autor da mítica peça "Esperando Godot". Este romance, o primeiro escrito por Beckett em língua francesa, causa estranheza porque nos arranca irreversivelmente do conforto. Agride porque aponta para a ruína de uma linguagem que já não é mais capaz de representar. Seus personagens chafurdam na lama, e é o gosto dessa lama que faz o nosso sorriso silencioso se sentir incomodado. Beckett fez questão de dar ênfase às contradições. Ênfase plena.
Por isso, ao final de Esperando Godot (lembro bem), Vladimir e Estragon dizem: Vamos embora, mas permanecem parados no mesmo lugar. Por isso Moran, um dos personagens deste romance, reconhece a impossibilidade de arrancar da linguagem algo que não seja paradoxo, um manifesto desespero pela palavra que perde os sentidos: Então voltei para a casa, e escrevi, É meia-noite. A chuva está batendo nas janelas. Não era meia-noite. Não estava chovendo (p. 237). Ao perder-se nesta intriga, Moran recupera as exatas primeiras linhas de seu relato, instaurando a incerteza, a consciência da parcialidade, transformando a precisão do branco e preto num borrão cinza.
Não obstante tais obstáculos, Beckett segue adiante, mesmo depois de atestar a impossibilidade de se ir adiante. Por isso Molloy, ecoando a expressão de seu criador sobre a necessidade de se pôr para fora, sobre a necessidade de dizer mesmo quando não há mais como ou por que, atesta a morte da linguagem, ao decretar de modo sublime: Não querer dizer, não saber o que se quer dizer, não poder dizer o que se acredita que se quer dizer, e sempre dizer ou quase, isto é que é importante não perder de vista, no calor da redação (p. 49). É preciso prestar atenção. Irlandês de nascimento e francês por vocação, Beckett não veio ao mundo para pagar hora extra. Um grande escritor.