Lasca - Vladímir Zazúbrin
- Vladímir Zazúbrin
- 114 Páginas
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Sinopse
Escrito em 1923 pelo russo Vladímir Zazúbrin (1895-1937), Lasca só veio a público em 1989, graças às reformas liberalizantes da glásnost de Mikhail Gorbatchov. Com isso, seu período de proibição tácita quase coincidiu com a existência oficial da União Soviética (1922-1991). Nada mais significativo, já que o romance, publicado agora pela primeira vez no Brasil pela CARAMBAIA, revela o aparato de terror e extermínio das forças de segurança soviéticas já nos primeiros anos após a Revolução Comunista de 1917. Com o recrudescimento do regime, o próprio Zazúbrin viria a ser fuzilado no auge da repressão stalinista.
A primeira cena do livro já deixa claro do que se trata: numa cidade da Sibéria, um caminhão espera para recolher pilhas de corpos de inimigos do regime, executados no interior de um prédio da Tcheká – a Comissão Extraordinária para Luta contra a Contrarrevolução e Sabotagem, antecessora da KGB. No interior, um militar estrangula outro, condenado sem julgamento. Ao lado, um padre balbucia uma oração.
Lasca descreve um breve período da vida de Andrei Srúbov, o burocrata-chefe da Tcheká provincial da Sibéria, que divide seu tempo entre um gabinete atulhado de papéis e um porão onde se praticam os rituais de fuzilamento. Ainda que mal remunerado, é seu dever zelar pelo funcionamento da máquina alimentada pelo sangue de homens e mulheres considerados pequenos-burgueses, espiões ou contrarrevolucionários, e mesmo bolcheviques caídos em desgraça.
Disciplinado e ambicioso, à frente de uma rede de informantes e agentes secretos, Srúbov procura, e em geral consegue, não se deixar levar por sentimentalismo ou compaixão. A todo momento, encontra suas justificativas na existência de uma entidade acima do bem e do mal, um objetivo maior que ele chama apenas de Ela – a revolução. O burocrata diz para si: “E Ela não é uma ideia. Ela é um organismo vivo. Ela é uma grande mulher grávida. Ela é a mulher que acalenta seu bebê que está para nascer”.
Mesmo se sentindo blindado pelo ódio, como admite numa conversa com seu pai, a quem “acusa” de se mover por ideologia, Srúbov não deixa de experimentar no corpo as consequências de seu ofício sangrento. Sem perceber, mergulha num abismo psicológico. Apesar de toda a dedicação, vê-se à deriva, como alguém agarrado a uma lasca que se desprende de uma jangada.
No século do terror totalitário, Lasca guarda semelhança com distopias literárias, em particular o conto Na colônia penal, de Kafka, e antecipa, em Srúbov, a figura do burocrata nazista e a banalidade do mal descritas por Hannah Arendt em Eichmann em Jerusalém. Em metáforas perfeitamente aplicáveis aos horrores das décadas seguintes, Zazúbrin descreve o prédio da Tcheká como uma máquina voraz ou um animal contorcido e feroz.
Vladímir Zazúbrin é o pseudônimo de Vladímir Yákovlevich Zubtzov, nascido em Penza, na região central da Rússia, filho de um ferroviário que se engajou na Revolução de 1905 e por isso foi deportado internamente. O futuro escritor aderiu à facção bolchevique ainda adolescente e, durante a Revolução de 1917, infiltrou-se na Okhrana, a polícia secreta czarista. Aos 17 anos escreveu sua primeira novela. Com a vitória da revolução, assumiu um cargo num banco estatal. Em seguida, aparentemente forçado, juntou-se às forças antirrevolucionárias e, em 1919, desertou e voltou a se associar aos bolcheviques. Problemas de saúde o afastaram da luta, e Zazúbrin passou a se dedicar à carreira literária.
O primeiro romance, Dois mundos (1921), sobre a Guerra Civil, foi elogiado pelo escritor de maior reconhecimento oficial, Máksim Górki, e por Lênin. Zazúbrin ganhava prestígio quando, aos 28 anos, escreveu Lasca, rejeitado pela própria revista em que trabalhava. Nenhuma editora se interessou em publicá-lo. Zazúbrin ainda escreveu vários livros que suscitaram acusações de serem contrarrevolucionários, até ser expulso do Partido Comunista. A morte de Górki, em 1936, privou o escritor de seu último defensor de peso, e ele foi executado no ano seguinte. Apesar da contundência, acredita-se que Lasca foi escrito não com fervor anticomunista, mas com a intenção de denunciar mazelas que o regime poderia extirpar.
A edição da CARAMBAIA tem tradução e posfácio de Irineu Franco Perpetuo. O projeto gráfico, assinado por Elisa Von Randow, traz páginas infiltradas de tinta vermelha, evocando seu cenário sangrento. A capa se inspira no artista Kazimir Malevich (1879-1935) e alude ao esmaecimento da figura do revolucionário russo diante do avanço do totalitarismo.