A Estrada - Jack London

A Estrada - Jack London

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Sinopse

Passageiro clandestino em trens de carga, vagabundo em busca de comida, príncipe dos piratas de ostras e contrabandista em uma penitenciária. Em A estrada, Jack London narra as aventuras vividas em sua juventude, no final do século XIX, com o estilo seco, mordaz e contundente que influenciaria, anos mais tarde, John Dos Passos, Ernest Hemingway e os autores da Geração Beatnik.Publicado originalmente em 1907, A estrada retrata os Estados Unidos devastados pela crise de 1894, assolados pelo desemprego e habitados por hordas de famintos. Este período, conhecido como a primeira Grande Depressão, deixou um sexto dos trabalhadores norte-americanos sem ocupação. Uma marcha, organizada pelo General Coxey, reunia 2 mil famintos para cobrar medidas emergenciais do governo, em Washington. Foi quando Jack London misturou-se ao destino de outros hobos, como eram conhecidos os desocupados que vagavam pelas cidades, e tomou a Estrada para se somar ao exército dos miseráveis.Viajou nas ferragens dos trens, passou fome, dormiu ao relento, foi humilhado, roubado, preso por vadiagem. Mas também enganou, usurpou e, quando se somou ao exército dos desafortunados, não hesitou em usar de artimanhas para sair em vantagem.Autobiográfico, o livro descreve em nove contos os sete meses em que London caiu na Estrada em busca de liberdade, aventura e alguma oportunidade, experiências decisivas na formação do autor e de sua rejeição à moral burguesa e ao capitalismo. Evidencia seus conflitos acerca do individualismo, da vida selvagem e do engajamento por uma causa coletiva. Revelam a densidade de personagens do submundo que povoam sua obra, assim como sua paixão pelo inaudito. A estrada inspirou, ainda, George Orwell em Na pior em Paris e em Londres (Companhia das Letras, 2006) e Jack Kerouac em seu consagrado On The Road - Pé na estrada (L&PM, 2004).Publicado pela primeira vez no Brasil pela Boitempo Editorial, este clássico encanta não apenas os amantes da boa literatura, mas permite compreender a verve de um dos principais cronistas sociais do início do século XX.

Resenha

MUITO BOM: aventuras de um vagabundo pelas ferrovias americanas durante a primeira grande crise econômica do país (1893-1898) Lido entre 20 e 27/01/2022. Avaliação da leitura: 4,5/5,0 A Estrada (The Road), livro que influenciou diversos escritores americanos, notavelmente Jack Kerouac (1922-1969) e seu On The Road (por aqui Pé na Estrada), foi publicado pela primeira vez em 1907, quando Jack London (1876-1916) contava 31 anos. Mas essa história de perambulação (ou vagabundagem) pelos Estados Unidos, que é intensamente autobiográfica, se refere à sua juventude nos anos 1890. Época em que o país passou por sua primeira grande crise econômica, originada por uma crise bancária internacional, sobretudo inglesa, que ficou conhecida como Pânico de 1890. Os EUA foram fortemente afetados entre 1893 e 1898, quando diversas empresas quebraram e o desemprego atingiu cerca de 20% de sua força de trabalho. As peripécias de London para sobreviver naqueles tempos – sobretudo arranjar comida e um lugar para dormir, mas também viver alguma aventura, característica marcante de sua personalidade – estavam intrinsecamente ligadas às ferrovias que cortavam os EUA de costa a costa. Tanto que em certa altura do texto ele introduz o verbo “ferroviar” para caracterizar o modo de vida que vivia então. Nos capítulos iniciais ele fala dos macetes e truques de que os “vagabundos” se valiam para não se darem tão mal na vida errante que levavam: como e quando pegar um trem em movimento, escapar dos guarda-freios, pedir esmolas quando paravam nas cidades, conseguir um prato de comida, praticar pequenos roubos e furtos etc. Desse modo, viviam aventuras variadas, que London conta com propriedade, porque não apenas as observou, também as experimentou na pele. A situação mais difícil, mais arriscada, era escapar dos funcionários das ferrovias (guarda-freios, maquinistas, foguistas etc.), que podiam por vezes não apenas jogar os viajantes indesejáveis fora do trem como aplicar-lhes uma bela surra ao descobri-los viajando de carona escondidos nos vagões. Outra preocupação era não morrer de frio durante o inverno, já que era quase impossível ficar aquecido nos vagões, a não ser que os homens dormissem uns encostados nos outros criando assim uma fonte de calor. Mas a maior parte do tempo eles passavam frio mesmo, congelavam. Por conta de vadiagem, enquanto passeava por Niagara Falls, London foi preso e passou um mês numa penitenciária. Essa história toma dois dos capítulos mais interessantes do livro. Ficamos sabendo como era a vida dos prisioneiros, os macetes de que se valiam para sobreviver entre bandidos e com uma dieta de praticamente apenas pão e água três vezes por dia. Mas se viravam: havia comércio e trocas entre eles e até o fogo para acender um cigarro rendia algum proveito. London registra, mas não entra em detalhes acerca dos abusos praticados pelos policiais contra os presos: “Vi com meus próprios olhos, naquela prisão, coisas inacreditáveis e monstruosas. E, quanto mais convencido ficava, mais aumentava meu temor pelos cães de guarda da lei e por toda a instituição da justiça criminal.” Pois é... A verdade é que a crise econômica havia fabricado uma legião de “vagabundos” a viajar clandestinamente nos trens. Chegaram a constituir pequenos exércitos, com até cerca de dois mil homens sob a liderança de algum militar populista. Faziam exigências e ameaças às cidades por onde passavam e também às empresas ferroviárias: queriam comida e transporte, uma forma de pressionar o governo a resolver o problema dos desempregados. Dois deles ficaram bastante conhecidos então, o general Coxey e o general Kelly. London esteve sob as ordens desse último: “Partindo da Califórnia e atravessando o Oeste selvagem e bárbaro, o general Kelly e seus heróis tomaram vários trens de assalto (...). [O general] montava um magnífico corcel negro, e, com bandeiras tremulando, ao som marcial de pífaros e tambores, 2 mil vagabundos desfilaram diante dele (...).” Por outro lado, mais do que de militares, London esteve bastante próximo de policiais, tiras, quase sempre fugindo deles. Há todo um capítulo, o último do livro, dedicado a esse assunto. Mostra que então, os tiras, que ganhavam honorários por cada vagabundo (ou criminoso) preso, precisavam que sempre houvesse vadios perambulando pelas cidades para que pudessem prendê-los por vadiagem e assim engordar um pouco mais seus salários. E, claro, também havia policiais que dividiam suas comissões com os indivíduos que prendiam. Desse modo o guarda não precisa caçar, como afirma London fazendo humor: ele apitava e a caça vinha diretamente para suas mãos. Bons tempos aqueles...