Don Juan (Narrado por ele Mesmo) - Peter Handke

Don Juan (Narrado por ele Mesmo) - Peter Handke

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Sinopse

Don Juan (narrado por ele mesmo), apesar do seu subtítulo, é recontado, de fato, por um cozinheiro solitário e ocioso, ávido leitor, que, um belo dia, em meio a leituras de Racine e Pascal, decide dar um basta nos livros. Sua imprevista decisão coincide com a igualmente repentina e abrupta aterrissagem de Don Juan no jardim do albergue onde ele vive, nas ruínas do monastério de Port-Royal-des-Champs, na França. Não um Don Juan qualquer, mas o próprio Don Juan, a figura legendária cujas aventuras já foram contadas e recontadas por Tirso de Molina, Zorilla, Molière, Mozart, Kierkegaard, Ortega y Gasset, Camus, e que Peter Handke decide ambientar definitivamente na contemporaneidade. Ao longo dos sete dias de sua permanência em Port-Royal, breve repouso em seu perambular pelo mundo, Don Juan conta a seu anfitrião, enquanto este último cozinha para os dois, as aventuras vividas na semana precedente: sete dias, sete países diversos, sete mulheres diferentes. Ainda que sete seja um número mágico, o que importa aqui não são os números, mas as letras: “Não contar, e sim soletrar”. É apenas um dos indícios de que Handke, ele mesmo um narrador obsessivo, ao construir essa espécie de fábula, também está interessado nas implicações do narrar, no seu sentido, nas suas possibilidades e nas suas conseqüências. Em seus deslocamentos, que têm a duração de um dia simbólico, do Cáucaso a Damasco, do norte da África à Holanda, Don Juan, acompanhado por um serviçal — ao qual ele faz questão de servir com elegância —, é movido não pelo jogo da sedução, mas pelo luto. A perda do único filho, verdadeiro amor da sua vida, tornou-o livre, ainda que melancólico, para viver o instante, de paisagem em paisagem, de mulher em mulher, numa eternidade repleta de repetição, e de algumas variantes que temperam a história. São momentos absolutos que celebram a “energia pura e incondicional do desejo”. O Don Juan de Handke jamais seduziu, nunca foi seduzido. Seus encontros passionais se dão num encantamento desencantado, porque são inevitáveis. É seu olhar que funda o outro e desperta o desejo. Nessa intrincada relação entre narrativa, tempo e desejo; instante, história e eternidade, Handke nos conta uma história sem fim, mas “a definitiva e verdadeira história de Don Juan”, diante da qual todas as outras são falsas. Lançado originalmente em 2004, Don Juan (narrado por ele mesmo) já foi traduzido para mais de vinte idiomas e aclamado pela crítica de diversos países.

Resenha

Don Juan Don Juan é um personagem da literatura espanhola, do início século XVII, 1600 e poucos, inventado por Tirso de Molina. Já Giacomo Casanova foi um homo sapiens como nós, um veneziano de carne e osso, que viveu entre 1725 e 1798, mais de um século após a publicação do livro de Molina. Ambos são associados à sedução, à libertinagem, à compulsão, à conquista, ao sexo sem amarras ou culpas, são mulherengos inveterados. Enfim, Don Juan e Casanova já prestaram-se a centenas de adaptações literárias, dramáticas, cinematográficas, tanto na dita alta cultura, sofisticada, quanto na cultura pop, sempre mais facilmente palatável. As histórias de Don Juan e de Casanova de alguma forma se fundiram, e há tanto tempo, que é difícil dizer qual característica da cupidez de cada um é a melhor identificada a seus nomes. Já li várias adaptações destas singulares vidas, a real e a inventada. Gosto muito de “La amante de Bolzano”, de Sándor Márai, e assisto sempre que posso a versão operística de Joseph Losey, “Don Giovanni”, com Ruggero Raimondi, José van Dan, e Kiri Te Kanawa, três cantantes líricos que aprendi a venerar. Peter Handke nos oferece sua versão neste curto “Don Juan (narrado por ele mesmo)”, publicado originalmente em 2004. Acompanhamos a narrativa de uma semana da vida de um possível Don Juan contemporâneo, um Don Juan que convive com aviões e motocicletas, com a geografia mais ou menos atual de países europeus, com os ecos esparsos de sua própria lenda. Pode-se ler a versão de Handke de uma outra forma, não exatamente explícita: a de que o narrador de Handke seja um leitor das memórias de Casanova (ou ao menos do livro publicado no final do século XVIII, que é atribuído a ele). O narrador de Handke (um velho senhor que cuida de um albergue em uma pequena cidade do sudoeste parisiense, Port-Royal-des-Camps) se imagina conversando com aquela criatura inventada, convive com ele, ouve os sucessos de seus últimos dias, num melancólico palimpsesto de seduções contínuas de mulheres. Esta "semana de mulheres", como o narrador de Handke explica, antes é a crônica de um sujeito já entediado com o efeito sedutor, empático, que provoca nas mulheres e também nos homens. É através do olhar que ele parece enfeitiçar todos, ao acaso, numa repetição tediosa de situações mecânicas, onde o sexo, a conjunção carnal, é o que menos importa. Há também uma camada cristã de entendimento deste livro. Handke lembra ao leitor várias vezes que a narrativa se dá durante o período que antecede a festa de Pentecostes, a celebração da descida do Espírito Santo sobre os apóstolos de Cristo. Assim como aconteceu para aqueles discípulos o velho narrador do livro permanece em seu albergue ouvindo por sete dias as histórias de Don Juan, para ao final ficar apenas com a certeza que a única, definitiva e verdadeira história de Don Juan é aquela que acabamos de ler. Vale!