Che Guevara: Uma Biografia - Jon Lee Anderson
- Jon Lee Anderson
- 1225 Páginas
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Sinopse
Esta biografia, de uma das figuras mais influentes, polêmicas e carismáticas de nosso século, traz 60 fotos inéditas e exclusivas e é fruto de seis anos de pesquisa e elaboração. O autor entrevistou amigos, familiares e companheiros de luta de Guevara, muitos deles aceitando falar pela primeira vez de sua experiência com o líder cubano. Lee Anderson é o único biógrafo a revelar toda a verdade sobre o foco guerrilheiro organizado por Che na Argentina, no início da década de 60, um episódio sobre o qual, até agora, se sabia muito pouco.
Resenha
Resenha prolixa e de coração
No epílogo nos é mostrada a situação presente de muitos companheiros de Che, e um deles nos diz: "É claro que preferíamos tê-lo conosco em Cuba, mas a morte de Che contribuiu muito para a propaganda da Revolução. O olhar do mundo seria diferente se Che não tivesse morrido da maneira que morreu."
Onde estaria Che se estivesse vivo? Como estaria agora, em sua velhice? Como teria atravessado a meia idade?
Dizem que não ser de esquerda na juventude é não ter coração, e ser de esquerda na maturidade é não ter juízo. Entretanto não se trata de uma concepção político econômica. Os seres humanos não são divididos entre de esquerda e direita. Quem se diz politicamente de esquerda na prática é de direita. A questão é sobre visões de mundo, capacidade de autosacrifício, amor ao próximo, temeridade.
E se Che estivesse agora vivo, gordo e acomodado?
Seu fim - capturado, mantido amarrado e ferido ao lado dos cadáveres de seus homens, mantendo a dignidade até o seu último segundo. Levou tiros nos braços e nas pernas, antes de finalmente atirarem em seu peito, inundando seus pulmões de sangue.
Seu fim é sangrento, triste, doloroso, sem glória como o é a morte. Ao ler essa parte, ao pensarmos nessa parte, sentimos que foi tudo em vão, foi tudo um sonho que acabou em um baque doloroso, como que caído de um prédio, o mal triunfa sobre nossas esperanças. Os que lutam pelo povo, por seus representantes são devorados.
Se os mortos pudessem voltar, creio que nos aconselhariam a nos lembrar de sua vida e esquecer a sua morte. Estariam certos, esse parágrafo já está cheio de clichês, mas a vida é uma jornada, não um destino. O destino de todos é a morte, e ela sempre é feia e cruel.
O que significa, o que significou tudo que foi feito, tudo que ele, e os que estiveram á sua volta, fizeram, foram, se resume a uma missão fracassada, homens humilhados e assassinados?
O que a vida significa é o que ela foi, o que ela é, não o seu fim. As realizações de Che Guevara, dos guerrilheiros da Bolívia e de todos, nunca serão falhas e vãs, pois são vitoriosas em si mesmas.
Ao pensarmos na morte de Che, pensamos na morte, tão violenta, implacável e insuportável. Desde pequena sempre tive medo da morte, não medo de estar morta, mas medo do processo de morrer, da dor, do sangue e do desespero. Como tenho dificuldade para dormir, às vezes temo que terei dificuldade para morrer, ficarei agonizando sem conseguir morrer, como não consigo dormir. Isso é ridículo, eu sei, acontece porque não consigo imaginar o total desligamento da morte, já que, obviamente, nunca o experimentei em minha vida.
Como disse John Lennon, todos os homens são iguais quando fazem suas necessidades, mas também são iguais quando morrem. Podem encarar a morte dignamente ou não, mas a morte chega para todos, principalmente a morte violenta, de forma terrível.
Da mesma forma terrível morreram soldados inimigos, guerrilheiros aliados, inocentes camponeses e traidores. Quantos homens Che executou ou matou em combate? Todos esses homens fizeram birras quando crianças, tiveram uma primeira namoradinha, cresceram, odiaram e sonharam.
Como se poderia admirar um homem assim? Pode-se dizer que Che tão admirável quanto pode ser um guerrilheiro. Mas Che não se tornou tal símbolo por ser um guerrilheiro.
Um homem cujo intelecto beirava o gênio, de um carisma incomparável, uma força de vontade e confiança raramente vistos. Uma personalidade paradoxal. Ao mesmo tempo que foi um canalha com a primeira esposa, foi um marido fiel e apaixonado pela segunda. Imbuído do machismo comum na nossa pobre América, reforçado pela sua época, era ainda um pai apaixonado por seus filhos, como diz sua filhinha, quando o vê pela última vez disfarçado, acha que "o velho está apaixonado por mim". Um arrogante e sem tato, com uma sinceridade grosseira, ainda sensível, compassivo e justo.
Che Guevara viveu nos mínimos detalhes seguindo aquilo que acreditava, e se matou por seus ideais, de bom grado morreu pelos seus ideais. Ele não virou símbolo por ser guerrilheiro, virou guerrilheiro por ser um símbolo em si. Ele teve a força e a clareza para seguir até a morte o que acreditava, e acreditava na revolução comunista em todo o mundo, mas principalmente na criação de um Homem Socialista. Com certeza, sem o Homem Socialista é impossível a eclosão e permanência de revoluções em todo mundo.
O Homem Socialista teria a ideia abstrata da libertação dos povos do jugo imperialista e das ditaduras militares apoiadas pelos EUA muito acima da sua própria busca por conforto, felicidade e mesmo sobrevivência. O Homem Socialista sabe que vai morrer e ver morrer sua família de fome, guerra ou doença para que as futuras gerações possam começar a ser livres. O Homem Socialista é instruído, idealista, abnegado, autocrítico, ético e corajoso, e entende que o derramamento de sangue de soldados e inocentes proverá a vida de infinitas gerações.
O Homem Socialista é exatamente como Che, e foi isso o que, na minha humilde opinião, foi seu grande erro.
Che Guevara esperava, tinha certeza, que todos os povos, principalmente as classes oprimidas, tão heterogêneas étnica e individualmente, colocariam em xeque suas vidas por uma ideia ocidental, abstrata e de longo prazo, talvez séculos, de liberdade coletiva.
Ele não levou em conta as diversidades de etnia e concepção de mundo, e concepção do que é liberdade, com as quais foi confrontado no Congo. Sua crença forte o levou a uma certa ingenuidade em não ver nas revoluções de fato e guerrilhas mais do que uma luta por libertação, mas uma luta por poder. Sua crença, arrogante e ingênua, de que todos as pessoas se uniriam por um socialimo que ainda não existiu em nenhum Estado levou-o ao fracasso.
E como poderia-se pretender criar tal Homem Socialista a partir de guerra, de mortes, todas cruas, todas insanas e insuportáveis como a dele próprio? Morte de mães, filhos, maridos e irmãos? Como imbuir em toda uma população ideais de renúncia, amor ao próximo e honestidade através do sangue e do terror? Em uma pequena ilha uma guerrilha extremamente bem planejada, num momento oportuno e com amplo apoio popular triunfou, porém como poderia se repetir exatamente a mesma coisa, em países enormes e heterogêneos, em um outro contexto? E mesmo em Cuba, a guerra deixou milhares de órfãos, refugiados, e com certeza não criou o Homem Socialista como o sonhara Che.
Mas muitas das grandes mudanças são resultado de guerras, e se não devemos ser violentos, devemos cruzar os braços frente às injustiças?
Para esse paradoxo, acredito que a melhor resposta foi a do maior revolucionário da contemporaneidade, Mahatma Gandhi: "A única revolução possível é dentro de nós".
As grandes guerras (e não estou falando da I e II Guerra Mundial) quase sempre, ou sempre, são fruto de motivos nobres, quase sempre para libertar um povo, seja num modelo imperialista, num modelo de rivalidade tribal, etc. Mas como não adianta trocar de presidente sem trocar de sistema, não adianta trocar de máscara sem trocar de cara. O poder de fato, sobre grandes massas, sempre teve o mal em sua essência, e quando não o tem logo é corrompido ou aniquilado.
Quanto sacrifício, quanta luta para trazer a felicidade ao povo, mas quando na História o mundo não foi um lugar, em escala coletiva ou individual, de sofrimento e provação?
Por isso a única revolução possível é dentro de nós. Não porque não podemos mudar o mundo, devemos deixar as coisas como estão porque é impossível mudá-las.
É exatamente o contrário, não se pode mudar as coisas sem mudar a nós mesmos, não se pode mudar o mundo sem mudar as pessoas, pois o mundo são as pessoas, e o poder sempre atrai o mal.
As guerrilhas heroicas da década de 1960 e 1950 não são perdidas. Elas mudaram as pessoas, de uma forma ou de outra, e se destruíram a vida de muitos, a deram a muitos. As consequências de seus danos e benefícios serão como serão, previsíveis e surpreendentes.
Se abaixássemos sempre a cabeça ainda viveríamos na Ditadura Militar, ou na Colônia e com escravidão...? Será que se exercêssemos a desobediência civil e o amor ao próximo viveríamos a Revolução Indiana, quem sabe até com o entendimento entre os "hindus e mulçumanos" e o fim real das "castas"? Uma hora teremos que pegar em armas, uma hora teremos que fazer uma revolta, uma revolução, um dia será uma revolução política, sem guerra, um dia será a simples reeducação no dia-a-dia, um dia será...
Mas acho que é impossível uma grande revolução mundial permanente, ou talvez seja possível, mas a revolução tem que ser nas pessoas, talvez esse mundo seja uma cortina de ilusão sobre o que é real e eterno, e nos "revolucionando", pelos mais diferentes caminhos, seremos como o "Homem Socialista", ou "Os Justos", no mundo maior, no mundo onde pratiquemos o amor ao próximo, no Reino de Deus, Nirvana, Paraíso, no mundo em que a revolução seja o presente porque ela vem de dentro pra fora, e não de fora pra dentro, em todos.
Voltando ao que comecei a falar no início, eu não queria ser como alguns guerrilheiros sobreviventes, que tem vidas, pelo menos na superfície, desligadas do que foram, e desiludidos, como sempre os velhos são com a vida, ainda mais sobre questões tão fortes, dolorosas e controversas como a guerra por ideologias. Não que esses guerrilheiros estejam desonrados ou arrependidos, não sei, ou que seus esforços tenham sido inúteis.
Eu queria ser mais como Gandhi, cujo ápice foi a velhice, cujo ápice da vida foi sempre o próximo segundo. Eu sei que a velhice vai me trazer a desilusão, mas que a desilusão seja literalmente acordar da ilusão. Eu queria que a idade e experiência me trouxessem sabedoria e capacidade de perdoar, e que meu "potencial revolucionário" seja máximo no último dia para viver.
Eu sei que isso só é possível com coisas que acontecem de dentro pra fora, o mundo quer nos destruir, ou pelo menos nos deixar pra trás. A realidade é muito mais louca do que a ficção, e dar um sentido a tudo isso é o que pode trazer a felicidade.
Não que eu tenha competência para ser como Ernesto Guevara, muito menos Gandhi. Não sei se vou participar algum dia numa revolução, na verdade eu queria ter filhos, netos, uma livraria e um estúdio de pole dance, mas eu realmente quero pelo menos tentar conseguir a revolução na minha alma.