Casa Grande & Senzala 33 - Gilberto Freire
- Gilberto Freire
- 954 Páginas
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Sinopse
Quando deu início à escrita de A Casa Grande de
Romarigães, Aquilino Ribeiro adiantou que não era sua
ambição escrever um romance, mas uma monografia
ou uma história romanceada. Felizmente, esse seu
propósito inicial gorou-se e o que nos proporcionou foi
um dos livros mais marcantes da literatura portuguesa
do século XX e um dos romances históricos mais
notáveis da europeia. A narrativa constrói-se a partir de
manuscritos encontrados no restauro da casa que foi
solar dos Meneses e Montenegros e conta-nos a
história das sucessivas gerações que, para o bem e para
o mal, a habitaram. Uma trama ficcional que começa
no tempo dos Filipes, mas que se estende por
inúmeros momentos marcantes da nossa História,
nomeadamente a Guerra da Independência, as
Invasões Francesas e a Guerra dos Dois Irmãos.
Resenha
Para ler Casa-Grande & Senzala
É bom que se leve em conta algumas coisas antes de iniciar a leitura deste clássico da história brasileira.
A primeira delas é a conjuntura mundial do momento em que Freyre viveu e pesquisou: No início do século XX o objetivo principal das pesquisas de todas as ciências é evidenciar a hierarquia racial, partindo da supremacia ariana até a marginalidade das raças negras. É no momento que Freyre escreve este livro que os discursos de Hitler atraem mais e mais ouvintes. Lembre-se então que Freyre (e nem Monteiro Lobato) não é preconceituoso no sentido que a palavra possui hoje. Na época em que viveram, estava em sintonia com os grandes pensadores do mundo todo.
A segunda conjuntura é a nacional: Vargas assume a presidência do Brasil e começa a incentivar que se criem sólidas bases nacionalistas. Para que haja nacionalismo, é pressuposto que haja identificação com a nação. Vargas inicia o árduo trabalho de inserção da cultura negra como parte da cultura nacional (o que era até então negado), o Brasil deixa de ser do Índio e do Português apenas para o ser também do Negro. O samba passa a ser exemplo da cultura nacional, a feijoada passa a ser prato típico, a mulata passa a ser símbolo de beleza e a capoeira passa a ser o orgulho nacional. Esta obra é parte deste processo.
Capítulo 1 - Características erais da colonização portuguesa no Brasil: formação de uma sociedade agrária, escravocrata e híbrida.
Freyre inicia o capítulo fundamentando, com base nas teorias raciais predominantes de seu período, o sucesso da colonização do Brasil, de clima tropical, pelo português. O autor defende ser o português, de toda a Europa, o único povo capaz de se adaptar ao clima tropical sem "degeneração da raça", diferentemente do ariano.
O autor trata também da sensualidade portuguesa, do fetiche em relação à mulher bronzeada, como a muçulmana que ocupou durante tantos anos Portugal o que levou o português a sentir a mesma atração pela índia brasileira e logo inciar a mistura de raças. Freyre defende que o português, diferentemente da maior parte dos povos europeus, em sua cultura, é o povo menos xenofóbico, o povo que, apesar de ter grande intolerância à diversidade religiosa, agrega com facilidade a diferença racial.
Sobre a vinda massiva de degenerados para o Brasil, o autor chega a conclusão de que grande parte dos degenerados foram expulsos de Portugal por crimes religiosos, como adultério, que eram considerados mais graves que assassinatos.
Freyre aborda aspectos negativos da predominância latifundiária e de monocultura no Brasil, chegando a afirmar que o brasileiro em sua avidez pelo plantio de cana-de-açúcar, esquecia-se da necessidade de outros gêneros, como legumes e frutas, e passava fome. Esta má alimentação levou ao degredo racial de toda a camada média da população. Em compensação, o Grande latifundiário e o escravo negro escapam à deficiência nutricional, sendo que, o escravo escapa por possuir grande valor, não só o valor de sua compra, mas, por dele depender toda a produção de seu senhor.
Para concluir o capítulo, Freyre passa a desmistificar a hibridez apenas entre índios e portugueses, evidenciando a mistura entre negros e índios, índios e portugueses e portugueses e negros. Fala da sensualidade dos portugueses, da falta de tabu sexual entre os índios e da escassez de mulheres negras para mostrar como todos os povos tinham seus motivos para efetuar a mistura. Encerra com o ponto negativo, o rápido avanço da sífilis no povo brasileiro em formação.
Capítulo 2 - O índígena na formação da família brasileira
Qual é o papel do índio na cultura brasileira? Qual foi o relacionamento estabelecido entre indígenas e portugueses? Qual era o papel do homem, da mulher, das crianças e até mesmo dos homossexuais na sociedade nativa? Qual o papel desempenhado pelo jesuíta? Qual o resultado final deste encontro? São estas as principais questões que o autor tenta responder neste capítulo.
Segundo as pesquisas de Freyre, quando comparada a dos espanhóis e a dos ingleses, a colonização portuguesa não pode ser chamada de brutal, o português não é racista como os ingleses e miscigena, o português não é intolerante como os espanhóis e tenta converter os índios. Por isso, a cultura do índio influiu grandemente na cultura brasileira.
Abordando de maneira geral o capítulo, podemos dizer que Freyre atribui a caça, a pesca e serviços pesados ao homem, o plantio, a educação e afazeres da tribo à mulher, o trabalho místico e feminino aos homossexuais e ao pequeno índio cabia uma educação rigorosa que o preparasse para a vida adulta. Freyre ressalta a todo momento o misticismo existente na cultura indígena, o que influenciava nas cores usadas, nos adornos, nos nomes, nos costumes e até nos tratamentos das doenças.
Quanto ao papel "civilizador" do jesuíta, Freyre afirma ter sido um dos principais motivos da devastação da cultura indígena, submetia os homens à agricultura, o que levava a depressão e a morte, o contato direto também contaminava os índios com doenças trazidas da Europa, o que também levava a morte. Freyre afirma também o aumento da mortalidade infantil. Causando um lento extermínio dos índios.
Capítulo 3 - O Colonizador português: antecedentes e predisposições.
O autor retoma aqui diversos pontos trabalhados no primeiro capítulo. As motivações do português para a expansão ultramarina, a adaptabilidade do português ao Brasil. A força da Igreja Católica em Portugal (que no Brasil é substituída pelo núcleo patriarcal da Casa Grande). O autor fala do acolhimento de sangue estrangeiro pelos portugueses no Brasil (desde que o estrangeiro se dissesse católico). Trata de modo geral, neste capítulo, da maneira natural com que os portugueses encaravam a miscigenação e principalmente com a facilidade com que aceitavam interferências culturais (de índios, europeus, árabes e judeus).
Freyre passa a falar da deficiência da alimentação portuguesa, com base no peixe: "Colonizou o Brasil uma nação de homens mal-nutridos."(313), desnutrição que se reflete também no Brasil. Freyre justifica a vinda do escravo africano no Brasil como reflexo da constatação de que o Brasil não serve para o extrativismo bruto e sim para a o cultivo agrário da cana e de que nem o índio nem o português tem a força de ânimo para a execução de tal trabalho braçal exigido no cultivo agrário, concluindo o capítulo dizendo "que o Brasil era o açúcar e o açúcar era o negro."(342)
Capítulos 4 e 5 - O escravo negro na vida sexual e de família do brasileiro
A primeira afirmação do capítulo é a de que não exista brasileiro (mesmo o mais alvo e loiro) sem um vestígio de negro ou de índio. Informação esta que serve de base para a elaboração do capítulo cujo objetivo é mostrar a profundeza da influência da cultura negra (e um pouco da indígena) no povo brasileiro. Muito do capítulo 4 é especulação sobre as influências da alimentação nos caracteres genéticos, sobre se a miscigenação por si é degeneradora ou se essa degeneração se dá pela má alimentação (reflexo da condição social), fala sobre superioridades ou não de raça, influências ou não de raça. Ou seja, como já foi dito no prefácio, este capítulo é o mais perigoso de ser lido sem uma contextualização do período em que o livro foi escrito. No entanto, nas entrelinhas, por trás de todos os termos como braquicefalia e seiláoquecefalias, Freyre vai diluindo seu ponto de vista, ao mesmo tempo que apresenta argumentos de uma diferenciação racial, problematiza as condições sociais, valoriza a cultura do negro, critica aqueles que inferiorizam o negro. Junto a este tema, como que em uma complementação, o autor passa a mapear as etnias de negros vindo para o Brasil e fazer um esboço de sua cultura na África, mostrando que este surto de "história da África" que temos hoje no Brasil já era observado com curiosidade por estudiosos quase 100 anos atrás.
Ainda no capítulo 4, Freyre passa a abordar uma questão que achei interessantíssima: a sensualidade africana e mulata seria depravação natural deste grupo? Questão de inferioridade de raça como muitos cientistas apontam? Ou simplesmente consequência da escravidão? O autor argumenta incansavelmente em favor da tese de que a luxúria é resultado do autoritarismo da Casa-Grande e não da sensualidade da Senzala. Fruto do sistema escravista que autoriza um grupo a praticar quaisquer atos que queira em um outro grupo, resultando na banalização do ato sexual com escravas, as vezes ainda impúberes. Soma-se a isso o fato deste ato sexual poder trazer aumento de capital, afinal, a gravidez da escrava nada mais é do que um futuro novo escravo para seu senhor.
O assunto da sexualidade continua permeando o livro até seu término, no entanto, mesclado com outras questões interessantíssimas como a influência dos escravos que trabalhavam dentro da Casa Grande na vida da família dos senhores de engenho. Aqui vale a pena fazer outra observação. No prefácio do Fernando Henrique, ele critica Gilberto Freyre por este apresentar um relacionamento quase sem brutalidades entre senhores e escravos. Eu discordo desta opinião. Temos de lembrar que um dos objetivos do livro é mostrar a MISTURA, a INFLUÊNCIA, ou seja, não focar demais na SEPARAÇÃO, na RUPTURA. Freyre deixa em vários momentos bem claro o sadismo português em relação ao escravo e faz uma distinção bem clara entre o escravo 'quase-animal' que realiza o trabalho bruto do campo e que quase não é citado no livro por fazer parte da SEPARAÇÃO E RUPTURA e o escravo 'quase-gente' que realiza o trabalho doméstico ou nas ruas dos centros urbanos, este sim largamente trabalhado no livro por fazer parte da MISTURA e INFLUÊNCIA. Portanto, não é de se estranhar que o livro cite apenas uns casos de violência e sadismo e não trate com mais insistência deste assunto.
Freyre vai tratar ainda do amolecimento da língua portuguesa falada no Brasil, em consequência da influência dos escravos negros, dentro de casa, cuidando das crianças brancas. Das influência das negras contadoras de histórias. Passa a falar da educação, das crianças, livres em excesso nos primeiros anos, rígida em excesso após os primeiros sinais de amadurecimento (pequenos adultos, contidos, solenes, todo vestidos de preto). Fala também de professores negros, da educação dos padres. Volta ao tema da sexualidade para tratar da frequência com que religiosos criavam família no Brasil. Fala da precocidade com que as filhas dos senhores de engenho se casavam, da vida preguiçosa que as famílias da Casa Grande passaram a levar, resultado da diligencia com que os negros efetuavam todo o trabalho. Ao final do capítulo 5, Freyre faz um excelente trabalho sobre a influência da culinária africana na culinária brasileira. O livro termina falando, na última página, das doenças e mortes por suicídio, dos negros, reflexos dos abusos da escravidão.
Esta resenha não é nenhum ideal de resenha, devido à grande variedade de temas tratados nessa obra. No entanto, acredito que sirva para dar uma ideia geral do livro.